Imagem: Bairro da Liberdade | © Media Commons
Escrito por: Maria Cecilia Teixeira Miranda¹ e Giovanna Leme Castro²
Uma das principais características do Brasil consiste na diversidade em sua formação étnica, cultural e social devido ao dinamismo de seu fluxo migratório. A chegada de imigrantes advindos de várias localidades, principalmente durante o final do século XIX e início do XX, refletiu no enriquecimento da cultura do país. A influência japonesa nas questões culturais são notáveis e muito presentes, e para melhor compreender a temática que buscamos desenvolver, é importante compreender como se deu a relação entre países tão divergentes, um no continente asiático enquanto o outro no continente americano.
Inicialmente, a modernização e a industrialização ocorridas na Era Meiji (1868-1912) provocaram o desenvolvimento socioeconômico do Japão. Consequentemente, ocorreram a desvalorização da mão de obra desqualificada e o aumento da densidade demográfica, representando fatores favoráveis ao incentivo à imigração japonesa, tanto para o Brasil em receber essa mão de obra, quanto para o Japão em reduzir a concentração da população. Dessa forma, no período em questão, o processo de imigração foi amplamente estimulado pelos dois países, os quais forneceram subsídios e auxílios, evidentes na feitoria de núcleos planejados de colonização e de incentivos financeiros.
O processo da vinda de um imigrante a um novo território demanda tempo para adaptação e assimilação: a primeira geração de imigrantes, denominada “Isseis”, buscava mais oportunidades de vida e arrecadar recursos para retornar ao Japão. As barreiras culturais, como a língua e os diferentes costumes, foram fatores que levaram ao isolamento do grupo e a busca pela preservação de sua cultura. Desse modo, era importante para os Isseis a reafirmação de sua identidade cultural para a segunda geração, “Nissei”, os quais sofreram influências iniciais dos costumes brasileiros. Apesar dos esforços para manter a tradição nipônica, a terceira geração, “Sanseis”, apresentou-se ainda mais próxima e adaptada à cultura do Brasil.
Nesse cenário repleto de dualidades, todas as gerações sentiram-se indagadas sobre suas identidades e suas nacionalidades, mas é inegável que em meio a algumas dificuldades para adaptação, essas gerações em conjunto conseguiram produzir uma influência nipônica notável, expressiva e importante para a nossa formação enquanto brasileiros. Dentre os inúmeros legados culturais que a imigração japonesa deixou no Brasil, aqui iremos destacar os valores japoneses associados com o mundo corporativo e a participação/expansão das culturas de massa dos animes e mangás, apenas como maneira de salientar algumas das muitas heranças culturais.
Desde 1895 o Japão assume relacionamentos comerciais com o Brasil, porém foi a partir de 1908 que foi possível observar o início do processo de imigração japonesa. Quanto ao comércio e ao investimento industrial, pode-se considerar seu início nos anos de 1970, com a implantação da Sharp (indústria de produtos eletrônicos) no polo da Zona Franca de Manaus. Portanto, apesar do distanciamento geográfico existente entre o Brasil e o Japão, é possível observar um legado empresarial, econômico, filosófico e cultural deixado pelos japoneses.
No mundo corporativo não foi diferente: os primeiros imigrantes foram incentivados pelo governo japonês ou por entidades privadas a buscar o sonho de fazer a América, encarregando-se da educação e profissionalização dos recém chegados imigrantes.
De acordo com os pesquisadores, houve três ondas de investimentos japoneses aqui no brasil: a primeira onda culmina com a industrialização brasileira, no auge do governo de Juscelino Kubitschek, na década de 1950, período que pode-se destacar a chegada de empresas como: Canetas Pilot, Ajinomoto e Usiminas. A segunda onda ocorreu no período do milagre econômico brasileiro, em 1964. Estima-se que nesse período, cerca de 500 empresas nipônicas tenham chegado no Brasil. A terceira onda diz respeito à volta dessas empresas para o cenário econômico brasileiro em meados de 1990, quando o Brasil buscava reerguer sua economia com o Plano Real e passava a participar, nas décadas seguintes, do grupo dos países emergentes.
A parceria Brasil-Japão deu extremamente certo ao longo dos anos justamente por suas diferenças: o Brasil encontrava-se abundante em recursos minerais e dependente de capital externo, em contraposição, o Japão apresentava-se como uma potência financeira, mas dependente da importação de alimentos e de matéria prima. Uma das parcerias mais importantes realizadas foi com a EMBRAPA na transgenia e no aperfeiçoamento de novas culturas agrícolas, a qual foi fruto do Programa Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER). Mas sem dúvidas, o despontar dessa relação econômica iniciou-se com a instalação das gigantescas empresas eletrônicas na Zona Franca de Manaus - Honda, Nippon, Panasonic, Sony, Semp Toshiba, Yamaha, entre outras, as quais tornaram-se rapidamente responsáveis por 20% dos empregos de todo o polo.
No entanto, não é apenas no que diz respeito à questões econômicas e à implantação dessas empresas que o Japão colaborou com o cenário corporativo brasileiro. A ideologia japonesa de organização, disciplina, planejamento, controle, perfeição e planejamento foram aderidos na cultura brasileira e geraram fortes impactos nos diversos setores empresariais.
Um dos valores japoneses aplicados nos métodos de produção brasileiro foi o “just in time”, com objetivo de agilizar os processos logísticos, facilitando o transporte e o escoamento de mercadorias, iniciado por um modal fluvial e em seguida, incentivando a utilização de caminhões para o encaminhamento de mercadorias. Além de consistir em, basicamente, produzir, vender ou comprar no tempo exato, evitando o desperdício e os custos relacionados com o estoque, visando a qualidade absoluta do produto final. Juntamente com os métodos organizacionais já citados, encontra-se o Kanban, tratando-se da utilização de post-its para organizar um fluxo de tarefas, com cores para identificar as tarefas a serem realizadas.
Portanto, torna-se inegável a importância da vinda dessas diversas empresas para o Brasil, que contribuíram não só para o desenvolvimento do segmento industrial - gerando velocidade e modernidade, mas também para a manifestação de uma cultura de produção japonesa, que se desenvolveu muito bem no cenário brasileiro com suas características únicas. Pode-se até destacar algumas tecnologias que fazem um imenso sucesso no cenário nacional e internacional, como é o caso das tecnologias eletrônicas, os computadores, os celulares com câmera nos anos 1990 e a atual tecnologia da impressora 3D. O PIB do Brasil é fortemente influenciado pelas indústrias japonesas, não há números absolutos que demonstrem a força Nipônica na economia, entretanto, a indústria automobilística no Brasil gera 4% do PIB (Produto Interno Bruto) e arrecadação de 12% do total dos impostos, além de gerar muitos empregos diretos e indiretos, demonstrando a força da indústria japonesa na economia brasileira.
Para além dessa marca cultural no meio corporativo deixada pelos japoneses, um dos legados importantes e notórios atualmente, são os animes e mangás. Exibidos no Japão desde 1909 e com criações formalmente japonesas desde 1917, os animes configuram parte de uma cultura japonesa que expandiu-se mundialmente, principalmente com a histórica chegada das TV 's. Nos animes e mangás, o herói japonês é sempre retratado dotado de valores como perseverança e honra, bem como a presença de um mestre e um aprendiz, ressaltando uma relação de fidelidade, lealdade e disciplina, aspectos muito importantes para a cultura nipônica.
Como abordado anteriormente, devido às dificuldades de adaptação em uma nova terra, as primeiras gerações de imigrantes que chegaram ao Brasil buscavam preservar seus costumes e sua cultura, e uma das formas de realizar esse anseio deu-se através do incentivo do consumo de animes e mangás entre os japoneses imigrantes. Nesse sentido, não tratava-se apenas de um entretenimento massificado, muito pelo contrário: a manutenção desse lazer representava o resguardo aos valores e tradições nipônicas em meio às dificuldades de assimilação, além de ser uma forma das gerações reafirmarem suas identidades.
Entretanto, para além do acesso restrito aos imigrantes e seus descendentes, o anime foi amplamente disseminado pelos meios eletrônicos a partir dos anos 1960. Com o consumo influenciado pela indústria cultural, as animações puderam estar presentes no dia a dia do público jovem, contando com a aderência do público brasileiro a esse entretenimento de forma concisa. Posteriormente, com a incorporação das animações nos programas da televisão brasileira, os mangás passaram a ser publicados com mais frequência nos editoriais dos anos 1980. A partir dos anos 2000, o maior acesso à internet, potencializou essa forma de entretenimento, resultando em uma nova forma de identificação coletiva, claramente influenciada por aquilo que os jovens estavam consumindo. Houve também a exibição em massa dessas produções, contando com um horário especial para elas em praticamente todos os canais brasileiros.
Nesse sentido, símbolos e novos fazeres culturais são compartilhados a fim de valorizar a tradição nipônica no Brasil, assim como perpetuar seus elementos. Logo, a presença do pop japonês na cultura brasileira representa, para além da preservação de uma identidade, uma fusão entre as tradições orientais e ocidentais, podendo ser frequentemente observadas não só nos setores citados, estendendo-se nas arte marciais, literatura, religião e filosofia, o que só afirma esse imenso legado cultural deixado.
¹Estudante do 2° ano de História pela Universidade Estadual Paulista - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca (mct.miranda@unesp.br)
²Estudante do 2° ano de Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca (gl.castro@unesp.br)
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Sandra Cecília Rosendo de. Imigração japonesa e identidade nacional. 2004. 49 f. Monografia (Graduação) - Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2004.
NAKAMURA, Mariany Toriyama; CRIPPA, Giulia. Memória e identidades nipo-brasileiras: cultura pop, tecnologias e mediações. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 15., 2014, Belo Horizonte. Anais… Belo Horizonte: UFMG, 2014.
TELES, M. G.. Os valores japoneses e sua influência no comportamento cultural corporativo brasileiro. C@LEA – Revista Cadernos de Aulas do LEA, Ilhéus, n. 3, p. 75 – 87, nov. 2014.
NAKAMURA, Mariany Toriyama. Memória e identidades nipo-brasileiras: cultura pop, tecnologias e mediações. 2013. Dissertação (Mestrado em Cultura e Informação) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
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