Escrito por: Lara Rael Santinelo¹.
Um caso de importância tanto para compreender as possibilidades para Hong Kong quanto os ecos na política externa da China continental é o de Taiwan. Em linhas gerais, a ilha funciona como um Estado soberano desde 1949, quando as chamadas forças nacionalistas de Chiang Kai-Shek se “refugiaram” ali, acuadas por Mao Tsé-Tung. Ele fundou a República da China, até hoje o nome oficial de Taiwan, e rompeu com o continente. A partir de então, a política interior de Taiwan passou a funcionar como a de um país independente, embora a ilha não seja reconhecida formalmente como um. Esse não-reconhecimento ocorre pois a China continental reclama Taiwan como parte do seu território; nesse sentido, sua grande intenção é implantar o sistema de “um país, dois sistemas” na ilha. Taiwan, porém, tem conseguido manter uma independência muito maior que Hong Kong jamais conseguiu obter. Assim, o sonho dos movimentos independentistas de Hong Kong é pelo menos se tornar uma Taiwan.
Nesse sentido, os protestos em Hong Kong e o movimento pela independência de Taiwan têm se retroalimentado porque Taiwan teme que, se Hong Kong sofrer qualquer investida mais dura da China — a exemplo da unificação de seus sistemas políticos —, o país seja o próximo. Destaca-se que, segundo alguns analistas, Taiwan é uma região muito mais interessante do que Hong Kong, tanto por sua riqueza econômica e produtividade quanto por sua posição geopolítica estratégica. As delicadas situações que honcongueses e taiwaneses vivem servem, então, como espaço fértil para a criação de laços de solidariedade entre ambos.
É relevante lembrar que o crime que o governo chinês usaria como justificativa para propor a lei de extradição em Hong Kong ocorreu em Taiwan. A atual presidente da ilha, Tsai Ing-Wen, posicionou-se contra a lei desde o início, afirmando que se negaria a extraditar qualquer pessoa sob essa lei justamente pelas possíveis consequências negativas. Tsai Ing-Wen sempre teve como um dos pilares de sua política o posicionamento pró-independência de Taiwan, prometendo que recusaria qualquer tentativa de incorporação à China continental, mesmo que sob a lógica de “um país, dois sistemas”. Sua popularidade foi alavancada pelos protestos em Hong Kong, que coincidiram com as eleições nacionais em Taiwan, nas quais ela conseguiria se reeleger; à época, até mesmo o partido opositor, mais favorável à China, foi obrigado a rever seu posicionamento. Por sua vez, em Hong Kong a situação reverberou como uma nova onda de apoio à independência de Taiwan: 44% da população se declarava a favor, uma alta histórica.
Assim, o que se percebe desde 2019 é uma crescente desconfiança da China continental em relação a dois dos territórios que ela reivindica. Essa desconfiança estaria no cerne de uma aliança cada vez mais forte entre honcongueses e taiwaneses opositores à intervenção chinesa, visto que cresceria cada vez mais o sentimento de solidariedade graças ao entendimento de que compartilham de um objetivo em comum: zelar por sua autonomia e por suas liberdades.
Recentemente, no contexto da crescente onda de protestos na Tailândia, essa aliança passaria a incluir protestantes tailandeses também. Surge, então, a chamada “Aliança do Chá com Leite”, referência a uma bebida comum aos três territórios, não obstante com variações regionais. Atuando majoritariamente pela internet, a aliança reafirma a solidariedade ao que entende como lutas pela democracia e pela independência popular pela Ásia. Ao mesmo tempo, é outro símbolo da resistência ante a hegemonia regional que a China exerce com cada vez mais força, afinal seu governo é um dos maiores apoiadores do atual governo militar tailandês e dos grupos oligarcas que o sustentam.
Por outro lado, críticos da intervenção estadunidense em Hong Kong também usam o exemplo de Taiwan como alerta sobre as limitações do apoio estrangeiro. Houve uma época, afinal, em que os Estados Unidos reconheciam Taiwan como um país, como a “verdadeira China” — título que a ilha reclama para si —, mas o apoio foi retirado pela potência americana quando esta retomou relações econômicas com a China Continental, passando a priorizar tais relações. O alerta é justamente que o mesmo pode ocorrer com Hong Kong e qualquer medida de apoio oferecida pelos EUA pode ser retirada ou voltada contra o território se assim for conveniente para sua política econômica.
Em suma, Taiwan ainda parece uma realidade inalcançável para Hong Kong, sobretudo agora que a Lei de Segurança Nacional foi aprovada e colocada em prática pelo governo da cidade. Não obstante, uma independência e uma integridade do território honconguês que sejam comparáveis às da ilha se mostram cada vez mais essenciais tanto para Hong Kong quanto para Taiwan.
¹Estudante do 3° ano de Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca (lararaels@gmail.com).
REFERÊNCIAS
BONATTI, Marco. What is happening in Hong Kong? An analysis of the protests and the international situation. Modern Diplomacy, [S.I.], 25 ago. 2019. Disponível em: https://moderndiplomacy.eu/2019/08/25/the-rebellion-in-hong-kong-and-its-geopolitical-effects/#. Acesso em: 30 out. 2019.
VALORI, Giancarlo Elia Valori. The rebellion in Hong Kong and its geopolitical effects. Servizio Informazione Religiosa, [S.I.], 11 set. 2019. Disponível em: https://www.agensir.it/mondo/2019/09/11/what-is-happening-in-hong-kong-an-analysis-of-the-protests-and-the-international-situation/. Acesso em: 30 out. 2019.
MCLAUGHLIN, Timothy. How Milk Tea Became an Anti-China Symbol. The Atlantic, Boston, 13 out. 2020. Disponível em: https://www.theatlantic.com/international/archive/2020/10/milk-tea-alliance-anti-china/616658/. Acesso em: 29 out. 2020.
LAUSAN Collective. Hong Kong Human Rights and Democracy Act: A critical analysis. Lausan, [S.I.], 15 set. 2019. Disponível em: https://lausan.hk/2019/hong-kong-human-rights-and-democracy-act-critical-analysis/. Acesso em: 30 out. 2010.
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