Escrito por: Gustavo Pasqueta¹.
Além do entendimento de que o conflito político tem gerado instabilidade econômica na região, é possível inferir como tem afetado as relações de interdependência entre China e Hong Kong e a maneira como esta se configura. A partir disso, é possível o entendimento de qual parte tende a depender mais dessas relações econômicas e como estas podem se caracterizar como uma certa variável dos protestos.
Devido à lógica “um país, dois sistemas”, Hong Kong pode configurar uma estrutura de relações de mercado diferente da China continental. Desse modo, a região possui um arranjo burocrático mais flexível e com menores taxas do que o continente, além de utilizar uma moeda diferente: ao contrário do Renminbi da China continental, há a circulação do dólar de Hong Kong, moeda indexada ao dólar dos Estados Unidos.
Desse modo, Hong Kong tem uma economia atrativa ao setor financeiro, que possui nível tão alto de fluxo neste setor que as empresas chinesas acabam por utilizar os serviços dessa região em busca de investimentos e compra e venda de ações. Desde o período de anexação do território, este tem se configurado como uma porta de entrada de investimentos e prestações de serviços para a economia chinesa. Estimativas do Conselho de Desenvolvimento do Comércio de Hong Kong (HKTDC) apontam que 60 % dos investimentos da China passam pelo centro financeiro da região semi autônoma. Outro ponto de destaque é a relação de reexportação, pela qual Hong Kong é responsável por cerca de 89,9 %.
Já a China continental representa a segunda maior fonte de investimento de Hong Kong, com aproximadamente 60 % do total de investimentos indiretos (dados do Ministério do Comércio da China). Ademais, responde por cerca de 45 % das importações para Hong Kong, segundo o Departamento de Comércio e Indústria de Hong Kong.
Sendo assim, é possível estabelecer uma certa necessidade da China continental em relação a Hong Kong, visto que a última parte, por possuir uma estrutura mais liberal, acaba sendo um entreposto comercial e financeiro mais atrativo aos investimentos externos. Com isso, as empresas chinesas que buscam utilizar esse sistema se beneficiam. Portanto, a instabilidade política de Hong Kong pode afetar não só sua própria economia, mas também a da China.
Outrossim, essa variável possibilita o entendimento do porquê o governo da China não tem reprimido os protestos de maneira mais intensa, ou seja, por meio da utilização de militares e tomada do local, sendo as contenções feitas de maneira mais indireta. Desse modo, essa ação pode representar o receio do aumento da recessão, que atrapalha a economia chinesa, algo ainda mais temido no momento atual de desaceleração do crescimento e Guerra Comercial com os Estados Unidos.
Contudo, uma análise diferente também pode ser feita, pois a necessidade da China em Hong Kong tem diminuído drasticamente nos últimos anos. Em 1917, estimativas do Banco Mundial colocavam a participação de 18,5 % de Hong Kong no PIB da China, mas, atualmente, os números beiram 3 %.
Outro indicativo é o crescimento exponencial da China em relação à região semi autônoma. O desenvolvimento chinês, nos últimos anos, tem diminuído a lacuna entre ambas. Ademais, diversas outras regiões da China, para além de Hong Kong, como Xangai, têm se intensificado como centros financeiros alternativos, além de atraírem continuamente a confiança de investidores. Em combinação, o aumento, ainda que lento, do status internacional do Renminbi e sua utilização em transações.
Desse modo, a ação do governo chinês é pautada na predição da não mais dependência de Hong Kong, o que permite às autoridades continentais tentar maior soberania na região. Nessa perspectiva, os protestos e a tensão na região seriam fruto do receio da perda de certa autonomia e da sua configuração de sistema particular.
Com isso, é perceptível como as variáveis econômicas interferem de maneira direta e indireta no caso, visto que ambas as partes possuem bases quantitativas que reforçam suas argumentações. Contudo, em uma interpretação mais geral é possível inferir a influência de Hong Kong na economia chinesa, mesmo que o seu nível tenha diminuído nas últimas décadas. Portanto, as instabilidades políticas tendem a intervir nas relações de interdependência entre os dois sistemas e, dependendo da análise, afetam em níveis diferentes os agentes.
¹Estudante do 3° ano de Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca.
REFERÊNCIAS
COONAN, Clifford. Por que a China não sufoca os protestos em Hong Kong?. Deutsche Welle, 15 ago. 2019. Economia. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/por-que-a-china-n%C3%A3o-sufoca-os-protestos-em-hong-kong/a-50044628.
China quer transformar Shenzhen em capital econômica para concorrer com Hong Kong. Jornal Estado de Minas, 19 ago. 2019. Internacional. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2019/08/19/interna_internacional,1078299/china-quer-transformar-shenzhen-em-capital-economica-para-concorrer-co.shtml.
BAJPAI, Prableen. Hong Kong vs. Mainland China: What's the Difference?. Investopedia. International Market. Disponível em: https://www.investopedia.com/articles/investing/121814/hong-kong-vs-china-understand-differences.asp.
Bloomberg News. China precisa de Hong Kong para manter sua situação econômica. Uol, 19 ago. 2019. Economia. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2019/08/19/china-precisa-de-hong-kong-para-manter-sua-situacao-economica.htm.
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