© Imagem: Spring Rain Adventure.
Escrito por: Emily Caroline Costa da Cunha¹.
Ao analisar a invasão Chinesa no Tibete em 1949, é notório que existiu um apagamento da cultura tibetana, também chamado de etnocídio. O termo etnocídio, “por sua vez, não possui tipificação legal específica como no caso do genocídio, contudo é de extrema relevância no que tange à presente temática, se mostrando muitas vezes complementar e interligado aos atos genocidas” (SADDI, 2019, p. 4), ou seja, a palavra não possui, em si, uma descrição legal na legislação brasileira. O termo etnocídio significa um evento ordenado, com o intuito de extinguir a cultura de um determinado povo. Isso ocorre pois, ao analisar que o vocábulo genocídio é o extermínio de uma minoria étnica, sendo essa a destruição física da etnia, etnocídio seria a destruição da cultura em si, ou seja, uma destruição imaterial.
Em 1º de outubro de 1949, a República Popular da China foi estabelecida e, ao chegar ao poder, Mao Tsé-Tung declarou que a última tarefa restante para que o Exército de Libertação do Povo fosse vitorioso, seria a libertação do Tibete – no caso, a ocupação e anexação da região. Segundo Dunnink (2009), a China já havia criado estratégias para a incorporação de, como declaradas pela China, “minorias nacionais chinesas”, combinando persuasão e ameaças, que foram utilizadas nos primeiros anos de ocupação do Tibete.
Antes de 1950, o Tibete era um semi-feudalismo teocrático, porém, logo após a anexação, a China começou a atacar esses aspectos do regime e do povo. Diante disso, Lhasa fez pedidos de ajuda ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), por conta da agressão chinesa, porém, pelo fato da China ser membro permanente do Conselho, tudo foi vetado e a comunidade internacional não fez nada para ajudar. Após isso, começaram as negociações internas entre o Tibete e a China, que resultaram no Acordo dos Dezessete Pontos. Esse acordo era cheio de promessas ao povo tibetano e, por dois anos, a situação entre a China e o Tibete ficou relativamente estável. Apesar disso, em 1959 houve uma rebelião em Lhasa contra as regras chinesas e pela independência do Tibete, porém, de início, a China não fez nada para conter essa resistência. Após um tempo, a China enviou tropas que atacaram e suprimiram a rebelião em apenas uma semana. Esse evento marcou o fim de uma tentativa de forjar uma coexistência entre o Tibete e a China, fazendo com que Dalai Lama fugisse para a Índia e, assim, se exilasse, acusando a China de não cumprir com o acordo, como explica Dunnink (2009).
Diante disso, o filme Sete Anos no Tibete (1997), mesmo sendo uma produção de Hollywood, demonstrou com bastante fidedignidade o que aconteceu no Tibete, sobre o apagamento cultural realizado, quando ocorreu a invasão chinesa. O filme demonstrou com clareza como a própria cidade de Lhasa ficou tomada de pôsteres de Mao Tsé-Tung e estruturas militares, as quais tomaram o espaço de uma cidade, antes, bem culturalmente característica e religiosa. Tendo em vista que a China comunista de Mao visava unificar os povos criando uma só nação multiétnica, não foi diferente com a anexação do Tibete, já que para que houvesse uma unificação imposta, era necessário apagar as raízes culturais daquele povo.
Uma importante questão da anexação do Tibete pela China é o Acordo dos Dezessete Pontos, que foi assinado por Mao Tsé-Tung, que possuía uma política de moderação no Tibete, contrariando os pensamentos ocidentais. Porém, suas verdadeiras intenções, ao assinar esse acordo, eram de transformar o Tibete em concordância com os objetivos socialistas, tentando criar relações cordiais entre os chineses e tibetanos e tranquilizando o Tibete para que sua elite, após um tempo, pudesse, de fato, aceitar a reintegração chinesa, concordando com uma transformação e reforma social, conforme Goldstein (1997).
Os esforços dos exilados tibetanos, depois de 1959, não tiveram qualquer impacto na situação do Tibete e não fizeram nada para criar um consenso internacional acerca da independência da região. Após o exílio do Dalai Lama, o governo chinês tentou estabelecer o comunismo no Tibete. O Partido Comunista Chinês reestruturou a agricultura e as áreas nômades pastorais do Tibete, criando as comunas e sob a bandeira de Revolução Cultural “Four Olds”, e colocou a cultura e religião tibetana em perigo, de acordo com Goldstein (1997). Inúmeros monastérios e locais culturais foram destruídos pelos soldados vermelhos, a perseguição religiosa foi intensificada, causando a queima de vários livros sagrados, e milhares de monges e freiras foram aprisionados, torturados e mortos.
Após a morte de Mao Tsé-Tung, um novo caminho poderia ser tomado, pois havia mais espaço para as minorias étnicas na nova Constituição de 1982, incluindo áreas étnicas, nas quais o Tibete se encontrava. Essas áreas tiveram um grande impulso de independência e nos direitos de autonomia após o início do período de reforma, porém, em 1987, várias manifestações de independência ocorreram em Lhasa, sendo comandadas pelos monges e que foram brutalmente suprimidas. Em 1989, as manifestações estouraram novamente, porém dessa vez foram suprimidas pela polícia, que matou o grupo de manifestantes, como explica Goldstein (1997).
O etnocídio realizado no Tibete, que está concentrado na religião, diz respeito à liberdade de participar de cultos religiosos, as regulações nos monastérios e aos ataques ao Dalai Lama. Ademais, os tibetanos não são permitidos a ter rotina de atividades religiosas. É reportado que durante a Revolução Cultural o governo chinês foi responsável por queimar milhões de manuscritos sagrados para os tibetanos, além de destruir milhares de monastérios, sendo os restantes utilizados como museus para atrair turistas ou, até mesmo, como banheiros públicos. Além disso, cabe ressaltar que a quantidade de monges, desde o início da anexação do Tibete, diminuiu para menos da metade, conforme expõe o autor (1997).
Dessa forma, é possível concluir que a China de fato impôs diversas regras e medidas para tentar conter e extinguir a cultura tibetana, e, caso não conseguisse passivamente, usaria forças externas para coagir aquele povo a acatar as medidas impostas. É notório que o Acordo dos Dezessete Pontos são apenas promessas que o governo chinês utilizou para acalmar os ânimos da população tibetana e, assim, poder aplicar suas políticas com mais facilidade. A comunidade internacional foi apenas espectadora desse evento, já que nenhum país ou instituição tentou conter tal etnocídio, deixando que uma cultura milenar seja caída no esquecimento aos poucos.
¹Estudante do 5° ano de Direito pela Universidade Estadual Paulista - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca (emily.caroline@unesp.br).
REFERÊNCIAS
ANNAUD, Jean-Jacques. Sete anos no Tibete. Cordilheira dos Andes: TriStar Pictures, 1997. 1 DVD.
DUNNINK, C.M. Tibet: a case of cultural Genocide?. 2009. Master thesis (Master in International and European Public Law) - Tilburg University. Disponível em: http://arno.uvt.nl/show.cgi?fid=107528. Acesso em: 04 jan. 2021.
GOLDSTEIN, M. C. The Snow Lion and the Dragon: China, Tibet, and
the Dalai Lama. Berkeley: University of California Press, 1997. Disponível em: http://ark.cdlib.org/ark:/13030/ft2199n7f4/. Acesso em: 05 jan. 2021.
SADDI, João Pedro. Genocídio, Etnocídio e Ecocídio: reflexões sobre as violações de direito aos povos tradicionais na Amazônia. [Projeto de pesquisa]. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica, 2019. Disponível em: http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2019/download/relatorios/CCS/CSOC/CSOC Joao%20Pedro%20Saddi.pdf. Acesso em: 02 jan. 2021.
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