Imagem: Hussein FALEH / AFP / CP
Escrito por: Daiany Braz da Silva¹, Simone Zhang² e Yasmin Rossi³.
O feminismo é um movimento político e social que possui diversas vertentes. Quando se fala sobre feminismo, é preciso ter em mente que se trata de um assunto amplo e com diversos pontos de vista e que por se tratar de uma temática tão vasta, abarca as mais diferentes lutas e anseios de mulheres que buscam de forma geral garantir direitos e igualdade entre todos.
No Iraque, diferente do que muitas pessoas imaginam e do que a mídia transmite para o ocidente, há sim grupos e demandas feministas sendo debatidas. A Organization of Women's Freedom in Iraq-A, que realiza campanhas em prol dos direitos das mulheres contra o Islã estatal, trabalha pelo fim da violência e pelo empoderamento das mulheres iraquianas. A Iraqi Women Network-A pode ser citada como outro movimento feminista que propõe a formação de lideranças femininas, para que essas possam tratar e lutar pelas pautas de mulheres em nível nacional.
Portanto, podemos notar que existem grupos que buscam e lutam pelos direitos das mulheres ativamente no país. No ano de 1959, por exemplo, o Iraque conseguiu apresentar um dos regulamentos mais progressistas na região neste sentido. Diferente do que a visão orientalista transmite de que as mulheres iraquianas precisam de ajuda externa para serem salvas, pode-se notar que elas próprias sabem as pautas e sobre o que precisam lutar.
O feminismo liberal promovido pelo ocidente, apresenta as mulheres do Iraque como indefesas e vítimas da religião, do sistema econômico e político e somado ao orientalismo, acaba por reforçar estereótipos. A questão chave é que é preciso respeitar as demanda de cada mulher, uma luta necessária aos olhos de uma brasileira pode não ser a almejada a outras nacionalidades, e por isso o feminismo transnacional parece ser uma boa medida para se entender esses dilemas. É preciso deixar de lado toda universalidade de luta e respeitar a posição de ator de cada mulher.
Dentro da discussão sobre feminismo para mulheres iraquianas, é importante estudar o papel e a funcionalidade do feminismo transnacional nesse contexto. No Feminismo Transnacional, a ideia de interseccionalidades de sexo, raça e/ou classe é entendida através do reconhecimento das dessemelhanças globais e de hierarquias de poder entre países. Esse Feminismo Transnacional tem como proposta a solidariedade transnacional, que agiria de forma a desafiar hierarquias e reivindicar uma abordagem igualitária para conectar movimentos feministas. Desse modo, seria possível compreender complexidades culturais, históricas, políticas, econômicas e sociais de mulheres para além das fronteiras.
As teorias feministas circulam internacionalmente através da tradução. Essa tradução está ligada com a forma pela qual as feministas irão receber a informação, dependendo não somente da tradução interlingual, mas também da tradução em um sentido mais metafórico de tradução cultural. Nem sempre a tradução favorece todas as vozes (como sugere a solidariedade transnacional), muitas vezes excluindo vozes orientais e favorecendo muitas outras ocidentais.
Por muitas vezes, as mulheres do Ocidente e seus movimentos acreditaram que poderiam salvar as demais mulheres das subordinações de gênero. A ideia de que as mulheres do Terceiro Mundo são “vítimas a serem salvas”, é resultado da universalidade e da recusa de análises de contexto cultural, retomando a história, ética e memória dessas mulheres inseridas em diferentes sociedades. É questionado então, porque ser feminista se tornou sinônimo de combater opressões forjadas no Ocidente, contribuindo com a construção de categorizações abstratas para mulheres orientais.
Dessa forma, mulheres muçulmanas e árabes se encontram em um cenário onde precisam além de lutar contra as construções patriarcais de suas identidades forjadas dentro de suas próprias comunidades, combater as representações falaciosas e políticas orientalistas internacionais. É importante que os movimentos feministas compreendam a complexidade das diferentes estruturas internacionais existentes e aceitem o que as mulheres afegãs escolhem para suas próprias vidas, se desprendendo sempre da ideia de “salvar os outros”.
Outro ponto pertinente mas pouco discutido, é a influência do feminismo no empreendedorismo dentro das zonas de conflitos, principalmente no Iraque, Afeganistão e Palestina. O feminismo islâmico foi uma nova vertente orginada dentro dessas áreas de conflito que impulsionou as mulheres a se tornarem empresárias. Este feminismo islâmico, intrinsicamente ligado com a religiosidade, serviu como base para moldar a ética empresarial dessas mulheres.
Esse empreendedorismo está relacionado com a estratégia de sobrevivência. O fundamento principal do feminismo islâmico se trata de uma nova interpretação dos textos sagrados. Essa nova interpretação é uma resposta às interpretações hegemônicas masculinas que perpetuam a visão patriarcal tradicional em que as mulheres são oprimidas e proibidas de praticar qualquer profissão.
É importante ressaltar que o que impulsiona este feminismo é a religião, apesar de parecer contraditório, elas se complementam, pois a junção de ambas é o que empoderam as mulheres muçulmanas empresárias nestas zonas de conflito. À medida que elas desafiam o patriarcado tradicional, a opressão e as desigualdades de gênero e social, elas precisam também adaptar a ética empresarial islâmica com a prática de negócios em ambiente de instabilidade social e política.
Devido a ausência de instituições, o ambiente trágico marcado por perdas, violência, mobilidade restrita, trauma e inúmeras injustiças, essas mulheres enfrentam adversidades maiores do que os homens. A partir do momento em que elas conduzem o "papel" que tradicionalmente seria do homem, tornando-a provedora principal do ganha-pão da família, elas coordenam uma nova feminização e responsabilidade, rompendo valores sociais tradicionais e religiosos.
REFERÊNCIAS
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CASSOL, L., Dall’Áqua, M. E., & Chiuza, S. (2020). Orientalismo e a questão dos movimentos das mulheres do Iraque: desafios e reflexões. Malala, 8(11), 109-129. https://doi.org/10.11606/issn.2446-5240.malala.2020.161810
CHAISE, M. Falcão. Feminismo Transnacional: uma lente para o Anti-Orientalismo. Revista Estudos Feministas [online]. 2016, v. 24, n. 3pp. 1027-1030. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1806-9584-2016v24n3p1027>
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