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O Tibete e a geopolítica


© Imagem: Shutterstock.


Escrito por: Felipe Augusto Antunes de Mesquita Luna¹, Lucas Hideo Sagawa² e Luis Antonio Cardoso³.


As relações políticas da região do Tibete sempre foram marcadas por conflitos com as regiões vizinhas, em especial a China, acerca de sua própria autonomia. O primeiro a unificar a região foi Songsten Gampo, que continuou a política de controle sobre as tribos vizinhas que seu pai havia começado. Reconhecendo o sucesso dessa unificação e que isso atrairia atenção externa, em 641 d.C. casou-se com a princesa Wen Cheng da dinastia Tang chinesa, “estabelecendo a primeira relação entre o Tibete e a China” (GRUNFELD, 2015, p. 35). Ao longo dos séculos, essas relações sofreram mudanças drásticas, tendo o conflito como cerne de todas as questões.


Posteriormente, no começo do século XX, o Tibete e a China buscaram formas de unificar e atingir um estado de paz entre as regiões. O Décimo Terceiro Dalai Lama e o então presidente da China, Yuan Shikai, abriram conversas sobre os papéis do Tibete e da China nestas relações e acredita-se, com a documentação disponível, que tenham sido proveitosas, pois mais missões diplomáticas entre as regiões aconteceram. Por fim, em 1930, houve o estabelecimento de um escritório em Lhasa para os diplomatas chineses. Os anos que se seguiram à morte do Dalai Lama foram vistos pelos observadores externos, como os britânicos, como o momento em que a China iria reassegurar seu controle sobre a região, o que prontificou seus escritórios a enviarem seus olheiros à região e afins para garantir alguma presença local.

Durante o período da Segunda Guerra, o Tibete aproveitou para criar seu próprio Ministério de Relações Exteriores em 1942, no sentido de que se as relações com os países fossem formalizadas, elas em troca dariam suporte para a independência tibetana. Um dos incidentes causados foi na conferência não oficial de relações asiáticas em Nova Delhi, em 1947, na qual a comissão tibetana levou sua bandeira, que foi erguida com as demais, e o seu próprio mapa, que se mostrava separado da China. Houve protestos pela parte chinesa, mas, como não era oficial, não teve consequências.


Com a Revolução Chinesa, o governo tibetano decidiu expulsar a delegação chinesa que, para o autor, era mais um sinal da fraqueza do governo Chinês do que um sinal de força e independência do Tibete (GRUNFELD, 2015, p. 80). Com a tomada do partido comunista, o governo tibetano pediu auxílio à Índia, que em troca mandou tropas como apoio moral, não querendo se envolver no conflito e manter neutralidade com o novo governo chinês. A Inglaterra também assume a mesma postura, sendo a única alternativa para os tibetanos os Estados Unidos, que veem no Tibete um possível aliado na “cruzada anticomunista” (GRUNFELD, 2015, p. 98). Contudo, Grunfeld salienta que a intenção do governo chinês era trazer mudanças de forma lenta e a respeitar os costumes Tibetanos e mudariam se houvesse ameaça de interferência dos norte-americanos. Isso produziu um ciclo vicioso, em que os americanos anunciaram sua intenção de eliminar o governo chinês, este que via isso como ameaça direta e respondendo à altura. Em novembro de 1950, Xinhua (agência da nova China de notícias) anuncia que:


O Presidente Mao Tse-tung do Governo Popular Central e Comandante-em-chefe Chu Teh do Exército de Libertação do Povo estão profundamente preocupados com a prolongada opressão do povo tibetano por parte de britânicos, imperialismo americano e pelo governo reacionário de Chiang Kai-shek, e ordenaram que seu Exército se mudasse para o Tibete para ajudar os tibetanos a se livrarem dessa opressão para sempre. (GRUNFELD, 2015, p. 103).


O Tibete é uma região com uma grande concentração de água doce, às vezes referido como um terceiro polo do planeta devido a grande quantidade de geleiras da região. É de lá que surgem todos os grandes rios que formaram as bases para todas as civilizações do extremo oriente continental, em especial a China e a Índia, mas também vários países do sudeste asiático, pois são banhados por esses rios. A China reivindica a propriedade dessa região e, por consequência, de seus rios, o que se baseia na China se vendo como sucessora do estado imperial chinês e, como tal, reivindica todos os territórios que pertenceram à dinastia Qing, última dinastia a governar a China.


A origem dessa atitude imperial para com o Tibete é sobre não apenas os interesses geopolíticos internacionais, mas sobre a necessidade de impor seus direitos para com as outras potências mundiais e regionais da Ásia e do mundo. Essa necessidade nasceu da experiência histórica chinesa com as potências europeias no século XIX, conhecido como o século de humilhações na China, onde foi constantemente humilhada e rebaixada perante os seus vizinhos em nome do imperialismo de países como o Reino Unido, França, o Império Russo, o Império Alemão e o Império Japonês.


O imperialismo Chinês, e devemos nos lembrar que a China se considera um país defensor do multilateralismo nos dias atuais, pode ser entendido, a partir disso, como uma resposta às agressões imperialistas que rebaixaram o país e a atitude da China vem como uma tentativa de se fazer ser reconhecida como uma potência que não pode mais ser desmerecida no âmbito internacional. O controle dos principais rios da região – rios Indo, Ganges, Brahmaputra, Irrawaddy, Salween, Yangtzé e Mekong – contribui para essa posição, na qual a China se coloca em uma posição superior e força os países vizinhos a negociarem em posições desvantajosas. Na visão subconsciente da China, isso seria uma proteção contra os tratados desiguais impostos durante o século de humilhação.


Quase metade da água que alimenta esses rios tem como origem a Índia – mais da metade se contarmos o Paquistão e Bangladesh como parte do subcontinente indiano – e a Índia não pode ver o controle do Tibete pela China como nada menos do que uma ameaça, afinal, isso dá a China o controle completo sobre a economia indiana, podendo desviar os rios de acordo com os seus próprios interesses. Essa preocupação indiana é bem fundamentada, tendo em vista que o governo chinês, no plano quinquenal de 2011-2015, planejou a construção de uma série de novas usinas hidrelétricas, com o objetivo de suprir a demanda por irrigação e energia na própria China.


Essa tentativa da China de controlar a água da região se estende também em suas alianças e investimentos regionais no vizinho da Índia, o Paquistão, por onde corre quase toda a totalidade do rio Indo, onde surgiu o que viria a ser a civilização indiana. A China prometeu financiar uma série de cinco barragens para formar uma grande cascata na parte norte do rio Indo, provendo energia e irrigação para a região, mas também afetando o suprimento de água e o fluxo de lodo que enriquece os solos usados para agricultura na região.


Outra preocupação da Índia é de que a China venha a decidir simplesmente desviar um dos rios da região, em especial o Brahmaputra, para atender a própria demanda, coisa que ela já fez no passado, quando desviou o rio Xiabuqu, um dos afluentes que alimentam o Brahmaputra. Também existe o medo de que a China use os rios dos quais ela não dependa como forma de escoar lixo industrial, motivo de discussões entre China e Índia, pois, em 2017, quando o rio Siang se tornou poluído, ocorreu o colapso da produção de arroz na província de Aruanachal Pradesh, assim como na comunidade pesqueira. A China alega que isso teria sido causado por um terremoto que aconteceu no mesmo período de tempo, no entanto fontes locais relataram que o rio já estava comprometido antes do terremoto.


A China também tem acesso a dados valiosos que podem ajudar a gerenciar enchentes e flutuações rio abaixo. Índia e China assinaram dois pactos desde 2008 sobre compartilhamento de dados para Sutlej e Brahmaputra, a fim de gerenciar melhor os cursos de água compartilhados. Embora esses acordos tenham tido um efeito positivo na gestão da água e ajudado a prevenir e controlar as inundações, essa dependência também pode ser explorada pela retenção de dados hidrológicos acessíveis apenas ao Estado ribeirinho superior.


Após o impasse de 73 dias no Doklam entre Índia e China em 2017, por exemplo, houve relatos de que a China reteve dados hidrológicos para os rios Brahmaputra e Sutlej - em violação do acordo - resultando em enchentes nos estados de Assam e Uttar Pradesh. Esta não foi a primeira vez que canais compartilhados na área levantaram o alarme. De forma preocupante, em 2004, um lago começou a se formar no rio Parechu, um afluente do Sutlej que se origina no Himalaia tibetano, ameaçando causar inundações no vale Sutlej da Índia. Enquanto a China permaneceu cooperativa e compartilhou dados com antecedência com a Índia na época, houve especulação (depois que a China rejeitou um pedido da Índia para enviar cientistas e engenheiros para o local) de que a China deliberadamente criou uma “bomba líquida”, um lago artificial para potencialmente devastar áreas na jusante. A preocupação com a possibilidade de a China romper as águas desse lago foi levantada em junho de 2020, quando houve uma subida de 12 a 14 metros no rio.


¹Estudante do 4° ano de História pela Universidade Estadual Paulista - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca (felipelunamo@hotmail.com).


²Estudante do 5° ano de História pela Universidade Estadual Paulista - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca (lucashideosagawa@gmail.com).


³Estudante do 4° ano de História pela Universidade Estadual Paulista - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca (la.cardoso@unesp.br).


REFERÊNCIAS


GRUNFELD, Tom A. The making of modern Tibet. ed. rev. Londres, Routledge, 2015.

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